quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

História natural do delito

Noções Básicas

O delito se define por ele mesmo, sempre a partir de uma teoria, e a melhor teoria é aquela que se aproxima da realidade histórico-social do objeto questionado. Teoria e prática se implicam de uma tal forma no campo jurídico-penal que até não mais se concebe a menor tentativa de enfoque parcelado, à guisa de análise. E o todo que carece de ser analisado, para que não se perca de vista aquele momento crítico de intercomunicação recíproca de fatores e elementos, em perpétua dinamicidade unitária e auto-transformadora. Os fatos sociais, com sua enorme carga valorativa, participam do delito como o sol participa do movimento dos planetas. A propósito, elimine-se o sol da vida dos planetas e se verá que não serão apenas estes que sentirão os efeitos do repentino cataclisma gravitacional das esferas celestes inseridas na Via Láctea.

O delito não existe sem o fato social que lhe regula ciberneticamente o rumo a ser alcançado, por via de alterações de sentido geradoras de novas formas e matizes. Deve ser definido por seu conteúdo, nos limites de sua própria efemeridade factual e contraditória, ao invés de ser aprisionado pelo método esquizofrênico de certas filosofias ontológicas ou essencialistas.

O delito e suas circunstãncias, historicamente condicionadas, não se amoldam a figurinos estanques desenhados por uma natureza intrínseca, como se nascessem de um mesmo e único ovo, idêntico a si próprio. Os milhões de anos de vida sobre a terra atestam exatamente o contrário. Não se há de construir o presente com dispensa dos materiais que lhe, servem de sustentáculo.

Sem a empiricidade dos fatos, potenciais ou consumados, não vale nenhuma teoria, se procura uma verdade ontológica. Fora dos fatos qualquer teoria tem valor, pois se alimenta de si mesma, de seu próprio enunciado unilateral. É dolo o que for como tal predeterminado. É culpa o que se encaixa no conceito inventado de culpa.

Qualquer estudo sobre delitos ou transgressões sociais não pode prescindir do homem. Por sua natureza, o delito induz a uma regulação da coletividade, e, por conseguinte, é uma ação, um fenômeno social. Se o delito faz parte da natureza social do homem, então podemos aceitar o que disse Mariano Funes em "Actualidad de la Venganza" (Buenos Aires, 1943:41): "(...). El delito es un fenómeno de normalidad social, em cuanto producto de la humana convivencia; y de anormalidad de la conducta, en cuanto la conducta criminal es inferior em su expresión numérica y en su frecuencia a los otros actos externos de las conductas normales"

O crime, por incrível que pareça, não é necessariamente nocivo para o sistema social, o que faz Durkheim apontar a funcionalidade do crime. O referido filósofo promoveu a despatologização docrime e assinalou o funcionalismo do crime e da pena. (...)

O crime é indispensável à evolução normal da moral e do direito. É fator de saúde pública. É fundamental o legado de Durkheim para se entender o crime, o criminoso e o castigo nas sociedades contemporâneas. Sua teoria sistêmica veio contrariar o determinismo positivo lombrosiano dominante à sua época. E, profetiza: Não há sociedade sem crime."

Delito é a representação dos conflitos sociais mais agudos, por agredir sentimentos como a moral e ética social.Nada é bom indefinidamente e sem medida. Para a própria evolução da autoridade é imprescindível que não seja excessiva, seja portanto, contestada. Muitas vezes, com efeito, o crime não é senão uma antecipação da moral por vir um encaminhamento ao direito que será".Se o delito, as transgressões e os crimes são fenômenos sociais, então são históricos.

Portanto, obedecem as estruturas dialéticas da sociedade em que eles se dão. Pode-se argumentar que alguns crimes não são históricos, como o assassinato e o roubo; ocorrem em todas as sociedades, independentes do sistema sócio-produtivo. Mesmo assim, nem todos os assassinatos e roubos são considerados como transgressões; o colonialismo é um exemplo – hoje atende sob a alcunha de "globalização". O conceito de crime não é imutável, absoluto, sendo mesmo relativo e por isso é que tem sido discutido e não inaceitáveis as definições absolutas de crime.
Sociologicamente, crime é a infração de um costume ou de uma lei, contra a qual reage a sociedade, aplicando uma pena ao infrator" e "antropologicamente, crime é qualquer afronta a uma crença dominante como, por exemplo, crime com o desrespeito ao totem" ou crença religiosa ou política. 

Fonte: Murilo Camargo

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